sexta-feira, 24 de outubro de 2014

dia hoje não sei quantos sexta: aqui

Num daqueles estados d’alma caninos, talvez imaginando o rosto vulgar dos dias, escreveu assim Alexandre O’Neill: cão passageiro, cão estrito, / cão rasteiro cor de luva amarela, / apara-lápis, fraldiqueiro, /cão liquefeito, / cão estafado, /cão de gravata pendente, /cão de orelhas engomadas, / de remexido rabo ausente, /cão ululante, cão coruscante, /cão magro, tétrico, maldito, / a desfazer-se num ganido, / a refazer-se num latido, / cão disparado: cão aqui, / cão além, e sempre cão. / Cão marrado, preso a um fio de cheiro, /cão a esburgar o osso / essencial do dia a dia, /cão estouvado de alegria, /cão formal da poesia, / cão-soneto de ão-ão bem martelado, / cão moído de pancada / e condoído do dono, / cão: esfera do sono, /cão de pura invenção, / cão pré-fabricado, /cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija,/ cão de olhos que afligem, /cão-problema... rematando com um sai depressa, ó cão, deste poema, querendo obviamente enviá-lo para além: o lugar onde, se pensa, existirá um diário junto a uma ladeira.

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