segunda-feira, 30 de março de 2015

dia não sei quantos segunda das investigações: vários factores

Isto de memória num espaço quântico: a saída da casa de banho deu-se com as pernas da fêmea a tiracolo de um sorriso, algo apenas mensurável nos anais de um intestino grosso lavrado em austeridade latente de vasos sanguíneos com sangue na guelra, mas ainda assim com potência insuficiente para esquecer o tal livro acoplado à garrafa de whisky novo, onde um tal de Davies dava ares de entendido. Sejamos francos (como o autor, aliás), reconhecendo que todas as estimativas devem ser consideradas apenas como palpites, mesmo anuindo (deixem passar) que toda a precisão tem uma importância vital. Nesse sentido, a Europa em guerra, de mil novecentos e trinta e nove até mil novecentos e quarenta e cinco não fez mais que adiar o inadiável, isto é, uma espécie de conspiração silenciosa à posteriori que desembocou numa outra conspiração silenciosa que, arriscamos, ainda se vive, sem grandes entraves, poeticamente falando, comparada à vida salutar daqueles morangos vermelhíssimos que colhemos fora de época em caixinhas higiénicas nos supermercados. Nada que nos recorde a caganeira de outros dias, aqueles em que as colheitas eram já engendradas em suadouros plásticos em permanente reabilitação. Os morangos, ainda assim, eram pequeninos, e saborosos. Lembro-me bem, não é preciso ir mais atrás ou recorrer ao Baudrillard (o que não seria fácil). 

segunda-feira, 23 de março de 2015

dia não sei quantos dias segunda feira: armadilha

Desde ontem, talvez mesmo desde anteontem, que imagino um sonho armadilha, um sonho de quintal das traseiras onde um Philip Marlowe surgiria de gabardina a despropósito, decidido a resolver as investigações de uma vez por todas, decidido a bebericar as suas dores e as dores dos outros, mas não encontrando um bar à altura, nem sequer um beco apaziguador, nem sequer um túnel estreito com cheiro a whisky e a restos de cachorro quente, nem sequer uma voz fêmea que torneasse os efeitos do jet lag, da mudança súbita de cenário e, do facto nada descartável, de o ter roubado ao Raymond Chandler após uma partida de lerpa, jogo que ele definitivamente não dominava, e depois tê-lo transportado em mão não para um sonho, quer dizer não logo para o sonho, mas para um desvario matinal projectando um sonho armadilha.  

domingo, 15 de março de 2015

dia não sei quantos dias domingo: a propósito

Foi tudo noite. No sonho era tudo (deixem passar) um livro de formato duvidoso com uma moeda ao meio, acho, se não era uma moeda era certamente uma medalha, um imbróglio capaz de me fazer passar por inocente sem saber onde colocar o dito, ou a dita, não era fácil, para aqui e para ali, quando acordei, assim por dizer, foi para mijar aquilo, tudo, antes do vozeirão matinal da vizinhança que anunciava outra vez as desoras do caminho para o nada. Engasguei-me com os diálogos de trazer por casa, ainda o sol dava de si. Não tardou o roupão saído de um reposteiro antigo, dois alongamentos, as fuças lavadas, chá verde (onde caralho andará o preto?) às cavalitas da rosca com manteiga, doce e azedume. A limpeza da casota anunciou o novo ciclo das marmitas drone, antevisão do episódio das compras a go go. Uma mordaça eficaz pestanejou a tarefa seguinte. Nada como um intermediário para teclar a dor. 

sexta-feira, 13 de março de 2015

dia não sei quantos das investigações: a doutrina

Debalde. Ou de enxada, abriremos o cérebro à canalha. Ora, a canalha, no norte de um país chamado Portugal, são os putos. Nada disto é simples, e apesar do crescimento das pernas, descer às catacumbas do cérebro humano não é fácil, nem de archote. Derruau informa-nos que Demangeon, este último na senda de Vidal-Lablache, define a geografia humana como o estudo des rapports des groupements humains avec le milieu géographique, esquecendo, não por acaso, qualquer referência aos groupements caninos, ou mesmo a elementos caninos isolados, embora séculos de refúgio ao lado do inimigo nos tenham ensinado, como nos relata Franz, que os ossos mais duros, que contêm o tutano mais precioso, só podem ser vencidos se forem trincados por todos os dentes de todos os cães em conjunto. Isto evidentemente, acrescenta Franz, é uma figura de retórica. Será então nessas águas que navegaremos. Entretanto, voltaremos ao diário.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Dia não sei quantos 4 das investigações: as primeiras notas

e se fôsseis todos para o caralho, lia-se numa tabuleta junta à tal casa. Ainda pensei que fosse uma pergunta ao jeito sarcástico pedestre básico das redondezas, mas a ausência de ponto de interrogação apenas induzia ao erro. Deixei-me ficar pela rua e para não chamar as atenções entrei num bar. Chamava-se pé de cabra e tinha desenhada uma cabra com pés à entrada. Esta cena de animais com pernas e pés suava-me familiar. Entrei e deparei-me com vários pares de pernas e não eram de cabra (ainda não sabia as várias tipologias que a palavra cabra pode vestir), não senhor, isso via-se à vista desarmada.  Consegui chegar ao balcão com um esforço humanocanino cuja energia irradiada daria para a construção e manutenção de várias centrais eléctricas. Não dei parte fraca e investi num duplo scotch com gelo. O outro lado do balcão não sabia que caralho era um scotch. É um whisky de perto da inglaterra, alguém gritou, acrescentado: és como um cepo. Eu não sabia bem se o scotch era um whisky de perto da Inglaterra, nem sabia bem se isso teria alguma importância mas decidi começar a tomar umas notas sobre esse assunto, entre outros. Quando dei por mim estava enfiado na casa de banho, acompanhado de um par de pernas de fêmea cujas manobras nos recordariam as grandes prestações em ginástica artística de Nadia Elena Comăneci, senhora de grandes feitos, como recentemente pude comprovar ao assistindo a um documentário gravado em VHS.