quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Os factos, como as roupas, tombam por terra...

O processo de endrominação dos sentidos é sempre coadjuvado por uma inépcia em tudo semelhante à banha da cobra. Posto isto e, desacreditando todo e qualquer ponto de partida, convém salientar a forma como o trabalho (seja ele qualquer for, vestindo qualquer uma das suas fatiotas) manieta os nossos sentidos, erguendo cerco ao nosso mais íntimo baluarte que é o corpo, morada postal do espírito. Os primeiros sintomas (no meu caso muito tardios) manifestam-se sobre a forma de um mal estar ténue, uma inquietude rústica, um não sei que fazer com as mãos e com o cérebro, desenvolvendo ramificações, primeiro imperceptíveis, depois expostas a qualquer elemento cuja atenção seja a de um ser desperto, tomando por fim a forma de uma expressão muito em voga nas imediações das redes sociais: tenho que estar sempre a fazer qualquer coisa. Esse tenho que estar sempre a fazer qualquer coisa, não é, de todo, natural, não se encontrando em qualquer manual de assuntos banais da antiguidade, clássica, ou não, sendo completamente desconhecido esse tenho que estar sempre a fazer qualquer coisa, inclusive do homem pré-histórico que, como se sabe, não tinha televisão. Esse tenho que estar sempre a fazer qualquer coisa, mesmo tardio, no meu caso pessoal, contamina qualquer frincha de liberdade, qualquer hora fora do local de trabalho, tornando-se viral nas folgas, nas férias, nas vésperas de um jogo de futebol ou mesmo antes desse jogo à 5ª ou 6ª cerveja, apenas desaparecendo lá para a 11 ou 12ª cerveja, mas aí já sem jogo de futebol que as valha. Esse momento único de estar à janela em frente às ramadas da infância navegando à deriva pelo mundo, torna-se uma coisa planeada e colocada na porta do frigorífico junto com aquele íman nojento de Madrid. Na melhor das hipóteses o doente torna-se um escritor mediano de viagens, mas de viagens planeadas, nunca daquelas viagens à volta do quarto (perdoa-me De Maistre), ou daqueloutras, mais antigas, em que alguém se fazia transportar acompanhado pelo seu corpo rodeado de mundo. Dar um tempo é a pior coisa que alguém nos pode dizer (ou pedir),isso... e contar as suas férias. Embora se reconheça que, caminhar com o sol a tiracolo numa batalha corpo a corpo é sempre de considerar. A inveja é uma coisa fodida...

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