quinta-feira, 30 de abril de 2015

dia não sei quantos à melhor de quinta: igual ao litro

Acho que fui trabalhar. Voltei. Fui. Voltei e fui e voltei. Não tarda vou. Parece que é isso o ir trabalhar. Entretanto escrevi dois contos e um poema...mentalmente. Pensei que me recordaria, mas a essência da escrita mental está precisamente em não nos lembrarmos daquilo que escrevemos. Chama-se mentalfémera ou psicocionismo, conforme o desvario do momento, a esta modalidade (deixem passar) de escrita mental, profundamente efémera e assim dotada de um certa religiosidade antiga, alicerçada (obrigatoriamente) na tradição oral e, sobretudo, dependente da (boa) memória. Ora a memória já não faz parte de qualquer manual de bons costumes da actualidade, onde o conhecimento resulta de uma mistura em partes iguais entre a humidade relativa do ar e o é igual ao litro, e os livros físicos se distinguem apenas pelas suas capas garridas, com relevos, adornados por fitinhas ou saquinhos de chá (juro!). Nesse sentido, este modalidade promove uma de duas coisas: ou se cultiva a tradição oral e a memória e então esses contos, histórias e poemas não se perdem, à imagem de outros da antiguidade; ou, a película efémera tudo reveste, participando dessa forma em toda a sua plenitude no absurdo passageiro dos nossos dias, sem que ninguém (a melhor parte é esta) se aperceba sequer disso. Em suma, uma forma de recusa, perfeitamente adequada ao nosso tempo, não lhe faltando sequer um dedo janota bem espetado no ar. Não tarda vou.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

dia não sei quantos quinta: afloramentos

Tudo terá começado, diz-nos Ariès, não tanto com o cristianismo, mas com o culto dos mártires, de origem africana, e, acrescenta ainda Ariès, esses mártires eram enterrados nas necrópoles extra-urbanas, comuns a cristãos e pagãos. É claro que Ariès continua a acrescentar coisas e mais coisas neste livrinho com o intuito sério de nos deleitar com a nossa pastosa ignorância, correndo o risco de que entre aqueles (poucos) que alguma vez pegam num livro (este ou outro), haja algum (ou alguma, vá lá) que se aperceba de sua pastosa ignorância ou mesmo da sua ignorância viscosa. O livrinho (da falecida e enterrada Teorema):

Entretanto, acho que está quase na hora de ir trabalhar. Local? A tal espécie de centro hospitalar do consumo. Peça principal do puzzle: um edifício a dar para o cinza mas desvairado por um verdadeiro arco-íris de cores que lhe adorna o dorso, um cão fica logo com a sensação de ter mamado uma carrada de cogumelos alucinogénios. Neste quadro alargado de eflúvios pensantes, devidamente aclimatizados,  temperados, peidorrentos, caminharei  solitário de nenúfar em nenúfar até escurecer e depois anoitecer e depois a noite tudo encerrar com o seu manto negro, mas isso apenas lá fora, dentro do bunker não se nota nada. 

segunda-feira, 20 de abril de 2015

dia não sei quanto segunda de folga: resumo

Acordei e virei-me para o lado. Adormeci. Acordei e virei-me para o (outro) lado. Isto vai – pensei. Não adormeci. Uma luz (ou duas?) entrava desvairada por debaixo da porta. O caralho da porta da cozinha deve estar aberta – pensei. Depois deu-me para ruminar uma série de merdas que davam para um catálogo de coisas importantíssimas para arremessar de um prédio de setenta andares daqueles americanos ou de Singapura. Lá fui ao chá verde e respectiva torrada em pão de forma brioche. Sorri com a palavra brioche. Limpei a cozinha como quem limpa o nariz sem o assoar convenientemente. Assobiei e a arrecadação com guarda-fatos a que chamo escritório apareceu limpa. Sou mesmo bom a assobiar – pensei. Fui duchar aquilo tudo e, de facto, debaixo de água as ideias afogam-se como tudo o resto. Fixe. Entretanto elaborei uma lista mental para as compras e escrevi lá bem escrito: chá preto e chá verde Lipton. E ainda o dia ia no adro, caralho…

domingo, 19 de abril de 2015

dia não sei quantos não importa: fazer um zzzzz

já            faziazzzzZZZZZZZZZZZZzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzfaltazzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzznão?zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz

terça-feira, 14 de abril de 2015

dia não sei quantos terça: mas qual?

Correu mal: acordar cedo (sem qualquer serventia) em bolandas, a mistura (primeiro mental) de um chá branco (do mini) com uma infusão de tília, a tal conjugação de espelhos com o we wanna be free to do what we wanna do, ahhh, yeah, a torrada e a fatia de bolo aquilo era coco?, desenfrearam uma manhã que havia começado com um golpe de estado mental onde o antigo (ou os antigos) neurónio(s) da defesa se insurgiu contra o hemisfério esquerdo, merda já vista no Chile há muitos anos atrás, com os resultados que se conhecem, matéria, aliás,  que Bolano terá travestido no seu nocturno (dizem) de romance, onde nada daquilo que parece é, pelo menos aqui. Está-se mesmo a ver a operação limpeza da casota: em curso.  

quarta-feira, 8 de abril de 2015

dia não sei quantos quarta: espantada admiração

Voltou a chuva a colar-se à vinheta dos dias. Às vezes, mas nem sempre (deixem passar), queria ser um cão flutuante, um desses cães que, segundo Franz, são sempre vistos sozinhos, flutuando no alto da atmosfera com uma auto-suficiência absoluta, descendo (muito raramente), para dar umas voltinhas, assim muito a correr, pavoneando-me pretensiosamente, e voltando depois à mais profunda das meditações que enchem esses espaços aéreos de solidão. 

quarta-feira, 1 de abril de 2015

dia não sei quantos: um de abril

Sim, fui correr. Sim, não, quer dizer, não bebi chá, nem papei torradas com manteiga e doce de ameixa. Sim, a ladeira perto de mim. Não, sou um cão a tempo inteiro. Sim, sou um cão a tempo parcial. Não, não sonho que calcorreio a América Latina ao volante de um livro antigo. Sim, hoje quarta-feira de petas. Não, não está sol. Não mostrei a língua desvairado ao espelho da casa de banho, nem teci um enredo teórico alusivo a estranhas marcas na língua, supostamente provocadas pela dentição e/ou problemas mandibulares. Não sonhei com estas cenas enquanto tentava manter a boca aberta por razões consonantes com o enredo teórico tecido acima. Agora não vou beber uma cerveja…