quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

dia não sei quantos 3 e picos das investigações: o paradoxo

Depois da inspecção territorial ainda a noite era uma criança, daquelas choramingonas. Pensei em abrir um escritório para legitimar as investigações, ideia merdosa apenas possível numa cabeça cuja base fosse alicerçada em duas pernas e na posição corporal erecta. Para aprender mais sobre as duas pernas que possibilitam a posição erecta abri um livro do Nietzsche e li: todo o homem de elite aspira instintivamente à sua torre de marfim e reclusão, altura em que este se liberta, isto ainda segundo o Nicha, da massa, dos muitos, podendo então esquecer a regra «homem», e tornar-se, ele próprio, a sua excepção. Estive uns infinitos três minutos a reflectir na leitura, olhei em redor e vi o diário. Li: solidário com essa amálgama de sabores que se espraiavam, emborquei timidamente um desenjoo e tomei conhecimento, acusei mesmo a recepção, de uns elementos novos que não acrescenta(va)m ponta nenhuma aos outros elementos velhos que também já foram novos, surpreendi-me mesmo com a minha falta inusitada de exigência potenciada por essa dinâmica social exógena ainda mais débil em termos gerais de exigência, ou outros. Confirmei-o com um sorriso. Juro que pensei que folgavam. Nesse momento, percebi que embora os sorrisos não precisem de tradução, umas legendas sempre ajudam, e deixei-me ficar, abandonado como uma estátua aos olhares, acho que isto da estátua é do Onetti, ou isso. Aquelas linhas remontavam ao dia 17 de Dezembro de 2012. Ao lado do diário ressumavam angústias divididas por vários papéis, abri à sorte e li: sou muitos, tantos que sempre que acabo de contar tenho que recomeçar. A importância de se ter duas penas que propiciam a posição corporal erecta, afinal, é directamente proporcional à importância de alguém se chamar, por exemplo, Ernesto. Amanhã é outro dia, pensei.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

dia não sei quantos 3 das investigações:o repouso

Nem sempre a noite é chão que dá uvas. É assim a vida. Abreviando a coisa: cheguei a casa com o tambor do Bob Dylan a tamborilar na cabeça - toda a gente sabe que antes da guitarra o avó cantigas dava no tambor -, ainda concedi uma investida ao frigorífico, mas aquelas pernas cresciam a olhos vistos, metamorfoseando-se em alheiras, como no sonho. O resto também terá sido a preto e branco.  Acordei umas dez horas depois com sinos na cabeça e a sensação de estar debaixo de água. Duchei abundantemente até mudar de pele. Enquanto aquecia água para o chá abri um Cossery e fumei-o todo de lês a lês, escrevi: deixa passar. A motivação era directamente proporcional ao leitmotiv da minha indiferença.  Olhava para trás enquanto vomitava a informação obtida no dia anterior, mas apenas revia a parte das pernas da fêmea até à exaustão. Liguei a TV para saber mais sobre o desaparecimento das consoantes mudas e depois, voltando às patas, fui passear o olfacto e dar umas mijas. Não se pode facilitar relativamente ao território.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

dia não sei quantos 2/5 das investigações: pausa

Terá começado após uma noite mal dormida. A linguagem dos porquês insinuava-se pesadamente como um trailer dum daqueles camiões do comboio dos duros (acho). Passei a observar as unidades anatómicas humanas que caminham utilizando duas pernas, faziam-me espécie aquelas correrias, os afãs sem sentido, os trabalhos vãos, os trâmites alicerçados em regras, as regras com normas, as normas com excepções, os olhares perdidos à cata de algo. Aquelas unidades anatómicas viviam rodeadas de coisas. Decidi investigar, e para o feito precisava de umas pernas daquelas. De resto continuo a sonhar...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

dia não sei quantos 2/5 ou 1/75 da investigação: o transe

Deu-me para ir ao arquivo. A noite já dava para vários peditórios. Tentava não pensar. A intuição dizia-me para me enfrascar de drogas legais à  mingua de cerveja. Entrei num bar, mais parecia um entreposto para a morte cortado às postas. Agarrei a primeira posta e consegui chegar ao balcão vivo, mas ninguém o diria. Tem que se coma?, perguntei, seguindo uma jola em sentido contrário. Não obtive resposta, pelo menos em qualquer dialecto conhecido. É claro que não insisti. Qual é a raça?, perguntaram, da cerveja?, retorqui. Claro, o que haveria de ser. Aquela voz, embora fêmea, não tinha nada de fatal. Ganhei coragem e disse: bota aí também um martini. Misturado?, rosnou a voz. Nunca gostei que misturassem as minhas merdas, muito menos a cerveja com martini, uma cena artística que implica conhecimento e experiência, Escrevi no caderninho: deixa passar. Primeiro é preciso um copo de fino bem seco mas não quente, depois mistura-se- metade da minorca botelha de martini imediatamente com a cerveja e guarda-se o restante para repetir a cena. Pedi tremoços. Ninguém deu conta. Bebi mais dois do mesmo. Ou três. Não era preciso faca para cortar aquele ar de manteiga rançosa, misturado com tabaco de enrolar. Fumei um dos meus e depois outro. As pernas já me davam conta das cruzes, mas apenas assim conseguia ver as outras pernas que se prolongavam naquele corpo de fêmea. Começava a interessar-me por estas fêmeas de duas pernas. Que se foda o arquivo.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

dia não sei quantos 2 talvez 1/5 das investigações: a trama

O tempo urgia para longe. Aquela imagem do lusco fusco emancipava uma noite de prazer e descoberta. Fui ao bar atascado da travessa de baixo. Cheirava a caldo reles e a cerveja choca. Pedi uma jola fresca, se possível. As unidades anatómicas olhavam para o ecrã. Fiz as minhas perguntas. Que tudo estava em confluência para aquela espécie de centro hospitalar do consumo. Confluência?, perguntei. Não reformulei a questão e já estava a limar umas arestas cá fora, aliviando o olfacto para outras lides. Decidi caminhar um pouco, usando para o efeito o que restava de um antigo passeio, confirmando que por estas bandas a malta não queria saber de bermas para nada. Por entre os tufos de relva bem mijada e de ruas completamente preenchidas por veículos motorizados, conseguia-se vislumbrar a peça principal do puzzle: um edifício a dar para o cinza mas desvairado por um verdadeiro arco-íris de cores que lhe adornava o dorso, um tipo ficava logo com a sensação de ter mamado uma data de cogumelos alucinogénos. Ainda bem que tinha deixado crescer as pernas para ver aquilo. Doíam-me os ossos e o lombo de não estar habituado a andar em duas patas, registei o ponto de confluência e decidi-me por meter umas moedas na máquina para descontrair e ver outras cenas. Foi então que reencontrei o Vernon, ou a possibilidade da obra-prima. Olhei em volta que se faz tarde e encetei um recuo. Pura estratégia.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

dia não sei quantos 1 das investigações: preparação

Fui ver. O caminho era estreito. Lembrei-me que não levava os auscultadores, nem sequer o leitor de musicol. Cheguei à ladeira antes da hora prevista. Não tinha marcação. Não precisava. Continuei a ver até me crescerem pernas humanas: para ver melhor (no sentido deles). Imaginei uns binóculos konos 10x25, o bastante para chamar a atenção do maralhal. Sentia-me bem dentro do sentir mal. Toda a gente canina sabe que há um espectro que mede o sentir mal, e nesse eu estava num dia bem. Adiante. Aceitei trocar a minha concentração no que estava a fazer por dois ou três minutos de consolação: um céu azul fabuloso espraiava-se em abóbada explodindo já perto da terra, tudo aquilo formava uma campânula de luz de puta madre, uma cena parecida com outra que eu havia visto numa série da FOX. Voltei a focar-me, mas sem fazer alarido. Corria riscos. Sabia-o. Estive quase para encetar um diálogo profícuo sobre o assunto comigo próprio. Escurecia. Tu queres ver?, pensei. Resmas de unidades anatómicas começavam a sua dança de fim de dia. Ainda haveria tempo?...

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

dia não sei quantas terças à terça: agora é que vai for

Um dia qualquer Franz escreveu: além de nós, cães, há todas as espécies de criaturas no mundo, criaturas miseráveis, insignificantes, mudas, criaturas que não têm outra linguagem além de gritos mecânicos, acrescentando que, muitos de entre os cães, estudam essas criaturas, dando-lhes nomes, tentando ajudá-las, ou mesmo educá-las. Será esse o mote, ou talvez nem isso, para as nossas investigações. Oh, como a minha vida mudou e, no entanto, como se manteve imutável! Mas voltemos às edificações.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

dia não sei quantos sábado, jura?: vai ali


Confesso que vos quero partir as pernas. Ou isso. Já não preciso de ir ao leite, terá sido apenas um sonho. Mas recordo-me de ir ao leite, uma diligência patrocinada pelos mais profundos e vampirescos desejos da avó. Voltei a ir, só que mais fodido. Depois vim. Mais fodido a expensas da máscara. Não há  retorno nesta eternidade do ir e vir, pois não Nietzsche?, e se te fosses foder com essas teorias todas, mais eu, mais mim (DEIXEM PASSAR), o corpinho todo a dar de quatro para outros peditórios, a bebericar uma cerveja merdosa, lager daqui, não tão lager como isso dali, um filmolas merdoso, mesmo do piorio a rebentar com a nossa portinhola, céus, um tipo não se dá neste clima de merdologia atómica, embora acabe a cerveja , mais vale fazer mal que estragar.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

dia não sei quantos não parece sexta: pelo menos assim o esperava

Agora estou aqui. E um não vos digo nem vos conto farto de estar. De um lado vejo prédios, dou mesmo de fuças com os ditos, dá até para sentir o cheiro do ranho do vizinho. Do outro lado vejo prédios, mas mais longe, dá apenas para cheirar a carnificina de odores (deixem passar) que polvilham o ar. No entretanto, um pedaço de terra foi atingido por um cagalhão envidraçado vindo do espaço. Um cão dá voltas à cabeçorra até à loucura para tentar perceber aquilo. Dantes ainda aparecia um tipo que entrava para o cagalhão e lá ficava, até ir beber umas cervejas ao croquete, ali aos prédios. O cagalhão vindo do espaço tem vidraças e um pequeno alpendre, serventia dos arbustos e de silvas. Vieram cortar as silvas e os arbustos. Agora o espaço parece uma careca de um velho que vai dar a uma via rápida. Uma falsa via rápida, vá. Tenho saudades da ladeira.  

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

dia não sei quantas segundas no bucho: a descoberto

acordei a pensar (ou terá sido ontem?) em convidar o Vilamatinhas para jantar, nada assim muito novo, não raro, dá-me para convidar o Vilamatinhas para alguma coisa, apareça Vilamatinhas, oh, como está sr. Matinhas, terei muito gosto, olhe, mas como se faz para recuperar o tempo perdido?, fala-se com o engenheiro?, o sr. Duchamp?, não vai ser fácil, não senhor, falar com o engenheiro do tempo perdido [risinhos], bem o sabe, mas olhe agora tenho que ir no fui, muito interessante este caminhar junto ao abismo. Não acha?