segunda-feira, 27 de outubro de 2014

dia hoje sei lá eu quantos: catrapum

Lentamente, como este sol que se desmorona contrafeito, fazendo-me acreditar em outras latitudes, vou percorrendo as ruas, onde pousar os pensamentos?, uma corda por favor para pendurar os livros, os maus hábitos, deixá-los a corar, a  escorrer, sei lá, a sinalizar este espaço onde a luz se entretém a espalhar-se pelas folhas e pelos corpos. Não aguardar nada, quer dizer, não estar à espera da carruagem com as palavras e o séquito das coisas que se pegam à vida, mais isto, ora aquilo, merdas que nos indicam os caminhos, os subcaminhos, as cangostas onde as silvas não picam, uma resma de dedos indicadores, de feiras de velharias, de sapateados uniformes. Só mais um bocadinho… 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

dia hoje não sei quantos sexta: aqui

Num daqueles estados d’alma caninos, talvez imaginando o rosto vulgar dos dias, escreveu assim Alexandre O’Neill: cão passageiro, cão estrito, / cão rasteiro cor de luva amarela, / apara-lápis, fraldiqueiro, /cão liquefeito, / cão estafado, /cão de gravata pendente, /cão de orelhas engomadas, / de remexido rabo ausente, /cão ululante, cão coruscante, /cão magro, tétrico, maldito, / a desfazer-se num ganido, / a refazer-se num latido, / cão disparado: cão aqui, / cão além, e sempre cão. / Cão marrado, preso a um fio de cheiro, /cão a esburgar o osso / essencial do dia a dia, /cão estouvado de alegria, /cão formal da poesia, / cão-soneto de ão-ão bem martelado, / cão moído de pancada / e condoído do dono, / cão: esfera do sono, /cão de pura invenção, / cão pré-fabricado, /cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija,/ cão de olhos que afligem, /cão-problema... rematando com um sai depressa, ó cão, deste poema, querendo obviamente enviá-lo para além: o lugar onde, se pensa, existirá um diário junto a uma ladeira.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

dia hoje não sei quantos: mexer na bacia do pólo norte

Hoje (na verdade terá sido ontem) confundi o bacio de Duchamp com a bacia de John Wayne. As coisas não vão bem e são como são. Certamente que o bacio de Duchamp não é um bacio, pelo menos de Duchamp, a criação de Duchamp, o seu a seu dono, é o urinol, o mijantes público readymade com R. Mutt 1917 a dar com a porcelana branca. Nada disto interessa, mas vai de encontro a uma teoria perdida no enclave de Nagorno karabakh do meu cérebro, teoria essa que remontando a meados dos anos noventa do século vinte, se mantém devidamente actual e pertinente, preconizando que o título do filme de César Monteiro, a bacia de John Wayne, ou amaricadamente, le bassin de John Wayne, é baseado naquela forma muito peculiar que o John tinha de arrastar a peida com a bacia a tiracolo, chegando o resto do corpo muito depois em charrete. Isso mesmo o defendi em duas tertúlias e em vinte e três jogos de lerpa com risco de vida, tendo recentemente a possibilidade de atestar essa peculiar oscilação da bacia que, não fosse o reconhecido conservadorismo de Wayne, nos levaria forçosamente a conclusões precipitadas. Sucede que Marcel Duchamp e João César Monteiro se entrelaçam junto às bordas do enclave já referido no meu cérebro, isto segundo fronteiras dos anos noventa, não deixando de reclamar posicionamentos estratégicos discutíveis. Monteiro, cão rafeiro, bem capaz de miar, pedinte na sua abjecção metafisica, navegante de falsas pocinhas, violador de cozidos à portuguesa, Marcel, gato todos os dias, às vezes disfarçado de cão, ou de papoula, tanto faz, engenheiro electrotécnico do tempo perdido, esvoaçar tatuado em tapetes persas, miando como quem ladra e ladrando como quem mia, peça de xadrez jogado de boca em boca, ambos tradição oral ultrapassando as muralhas de ar que polvilham (apenas) os nossos sonhos. De resto está tudo bem, como podem, de resto, observar:


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

dia não sei quantos quinze (e não se fala mais nisso): merdas básicas

Dez e picos abrir o olho. Fechar. Onze e tantos, alvorada. Desenjoo acompanhado de ecrã táctil. Investigação sobre o soldado Voytek. Cheirar, confirmando a existência de ursos por perto, nunca se sabe. Reflectir intensamente sobre a batalha de Estalinegrado (comprar todas as obras sobre o assunto – pedir emprestado se necessário). Espirrar, uma, duas, três vezes. Trinta segundos de ginástica. Abrir a cancela da realidade. Lavar o resto da louça de ontem. Pensar no almoço. Fazer a cama. Pensar em fazer uma lista (gigantesca?) com o nome de todos os escritores que aparecem nos livros do Vilamatinhas. Proceder à realização da lista no computador ou escrevinhar a mesma? Merdas básicas, básicas.

[Nota (doze horas e trinta e quatro minutos): avançar para um paté de atum com cebola e cornichons, vai ao frio e já está. Aquecimento central com sopa de feijão verde.]

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

dia não sei quantos onze? e os outros?, não se sabe bem...

Onze horas vinte e nove minutos, um record semanal festejado com danças rupestres devidamente confinadas a um quarto escuro. Janela: chuva. Pêlo: eriçado. Muitos risinhos. Chá preto da Lipton e um sucedâneo de pão-de-leite, ensacado, ostensivamente amarelecido e por isso enfiado na torradeira, onde se comprovou a existência de vários fluídos gordurosos estranhos. O que restou desse pão-de-leite foi barrado com manteiga Primor e compota de alperce, um clássico dos últimos desenjoos matinais, ou isso. Comecei então a debruçar-me, com a atenção devida, sobre as semelhanças térreas existentes entre Marcel Schwob e Henri Michaux, semelhantes físicas, bem entendido. Posto isto, duas linhas de investigação se avizinhavam, por um lado, afigurava-se óbvio que tanto Michaux (já nem falo de Henri), como (mas menos) Marcel disfarçado de Schwob, seriam, não apenas, nomes de gato, como as suas unidades anatómicas corresponderiam a gatos. Não desenvolvendo para já a segunda linha de investigação, convém realçar aos dois ou três académicos, os únicos que neste momento seguem atrevidamente este artigo, convém (deixem passar) então assinalar a similaridade com que estas duas unidades anatómicas (que apresentavam semelhanças físicas perfeitamente visíveis) assinavam os seus textos, na língua conhecida como: francesa. Mas há mais, há mais. 


segunda-feira, 6 de outubro de 2014

dia não sei quantos oito: e o sete?

São variadíssimas as técnicas de procura de e as técnicas de apresentação para, do outro lado, não raro, estão técnicas habilitadas para receber ou orientar as técnicas atrás referidas, também se verifica (deixem passar, por favor) a existência de técnicos, mas não de técnicos de procura de e de técnicos de apresentação para. O resto, dizem, é fácil. 

sábado, 4 de outubro de 2014

dia não sei quantos seis: nas bordas do deserto emocional...

Segundo Marcella Delle Donne, a falta de participação simpatética na fruição dos artefactos urbanísticos, e o aparecimento de uma situação de total indiferença emocional entre sujeitos agentes e espaço sócio-urbanístico, afiguram-se como importantes problemas aos cientistas sociais que se debruçam na vertiginosa ladeira por onde escorrem os estudos urbanos.  Ora, essa falta de participação simpatética na fruição dos artefactos urbanísticos, e esse tal aparecimento de uma situação de total indiferença emocional entre sujeitos agentes e espaço sócio-urbanístico, poderiam, na eventualidade de necessitarmos de tal coisa, retratar este sábado com a solenidade que este certamente mereceria. Ou seja… 

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

dia não sei quantos quatro: permanecer continuando [melhor que continuar permanecendo]

Depois de despachar de forma extremamente violenta o narrador que por cá tem andado nos últimos três quatro dias, conspurcando tempos verbais, sapateando terceiras pessoas do singular, ou terceiros cães no plural – por falar nisso quem é o caralho do nicha?, deu-me para pensar naquela música dos GNR, os pós-modernos, em cuja letra saída da pena bêbada de Reininho se escuta (e também se pode ler) que ser Mãe [reparem na letra grande] era a aspiração natural de todo o homem moderno / ser o melhor é normal [ser o melhor anormal – como eu cantava em tempos] para os novos pobres deste colégio interno [actualíssimo], acrescentando que já agora ter medo é a pulsão fundamental do criador & artista e estar sóbrio é continuar permanecer positivista. Sabemos de um deixa passar que não permaneceu na letra (no poema, arriscamos), todavia… continuando. Não é novidade para ninguém que dantes as máquinas estavam sempre a avariar e que agora continuam e que agora permanecem. Depois fui ler umas merdas e tratar dos bilhetes, não tarda debruçar-me-ei sobre o barranco do positivismo. 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

dia não sei quantos três (outras vez?): retomar

Entretanto, de manhã deu-lhe para ler, mas pouquinho, depois de duchar e olhar longamente o sol pela peneira da janela. Depois imaginou-se a construir o túnel, com o Nicha a ajudá-lo como ajudava o outro compincha no tal manuscrito, imaginou-se a esgravatar a terra até além da cidadela e dos montes, uns montes pequenos (mas ainda assim montes), imaginou saídas para sítios estratégicos, pequenas ilhas acessíveis apenas a alguns, muito poucochinhos. Finalmente, esse túnel arredondado, imperfeito, comparativamente, por exemplo, com os túneis vietnamitas da guerra do Vietname (deixem passar), certamente sem a robustez dos seus congéneres medievais, menos versátil que todos os túneis vividos ou sonhados pelos prisioneiros das celas de todo o mundo, esse túnel desembocava (deixem passar) num subterrâneo, muito perto de um outro túnel (muito diferente daquele) que dava acesso a um campo verde rodeado de bancadas com seres vestidos de verde. O Cão e o Nicha, todavia, ficavam-se pelo limite do túnel, às vezes arriscando-se nas bordas do subterrâneo, às escuras, estando ali, dir-se-ia, apenas para sentir (e escutar) o ambiente, o que lhes parecia bastar. De tarde o Cão deu-lhe para ler mais umas merdas, isto antes de sair.